Nathan Schafer

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Nathan Schafer

Estudante de jornalismo que preenche o orçamento da família com bicos na construção civil. Aprendeu [sic] a desenhar com o avô, Mordechai Schafer, um comerciante judeu. Mordechai é especialista em piadas que ninguém entende, arte praticada pelo neto com afinco.

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Sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Ao vencedor, as batatas

Assim de cócoras, na beira da represa e envolvendo os joelhos num abraço, Estélio pensava nas malditas batatas, tentava consertar a espinha judiada pela queda e espantar o frio desgraçado que não ia embora de jeito e maneira, antes o perseguia, entrava por debaixo do suéter novo e aí para a camisa de colarinho duro enquanto o vento lhe botava os poucos cabelos restantes numa dança ridícula como a do casamento — que deus guarde Trementina onde quer que esteja — e o frio nem ligando para lembranças de Trementina, Felisbina ou Gentilina, endurecendo e arroxeando lábios orelhas e ponta de dedos, com Estélio pensando nas malditas batatas e quase que podendo sentir o gosto amanteigado na boca, mas também recordando de Paiol Grande ainda pequena, um amontoado de casas modestas, nada mais que um pouso para os viajantes do Alto Uruguai, e seu reino particular, é claro, onde montava cavalos e amava cabritas — ou bananeiras, se estivesse de canivete, mesmo o facão que surrupiava nas ferramentas do pai servia para abrir fendas e aliviar-se, a vida seguindo assim até Lúcia, que servia na casa e era esposa de um pelo-duro, mas gostava mesmo de moleques limpos e de boa família, feito Estélio — mais feio que a fome, por dentro e por fora, inclusive —, que agora, decorridos tantos anos, agarrado aos joelhos, via passar defronte os olhos a Lúcia de sua juventude, que o fazia mordiscar e sorver as tetas magras, de aréolas escuras como cacau seco, para então escorregar-lhe a cabeça cintura abaixo, enfiando o rosto imberbe nos pentelhos grossos, também exigindo mordidas e sorvidas, porém acrescidas de lambidas e chupiscos, que acabavam num torcimento de espinha, dizendo “não faz assim, que eu não aguento” para, em seguida, morder orelhas e partir para os testículos enormes, beijar e acariciar em diferentes velocidades, pondo o membro fino na boca, sorvendo e mordendo, desenhando oitos e zeros com a língua que era uma beleza e, ao cansar, deitar-se por cima da magreza juvenil e cavalgar pelo pouco tempo que Estélio aguentasse — se aguentasse —, mas foi bom, é o que pensava Estélio, quase que petrificado pelo maldito frio, acrescido agora de espesso orvalho, foi bom enquanto durou, e não fosse por meu pai, a descobrir o responsável pela nova gravidez de Lúcia, ficava com ela e impedia a mudança para a estância do tio, em São Borja, dela e do pelo-duro, aquela imagem, Lúcia partindo montada numa égua de quartos quase arriados, cristalizando no cérebro já congelado de Estélio, vendo-se abandonado, sem querer cabras ou bananeiras por conhecer o prazer da carne e sabendo os efeitos da iniciação, que levaria para a vida, lambuzando-se de todo tipo de satisfação — se é que podia chamar satisfação o que sentia ao desmontá-las, todas —, torrando na esbórnia mais que qualquer homem na história de Paiol Grande e cercanias e, muito cedo, tendo a ciência de que sua vida era batalha perdida para a luxúria, derrota esta a que sua mãe, a finada Amália, que morreu entrevada com dois cotocos em lugar de pernas, também atentaria e, na esperança de aplacar a índole do filho mais novo, faria buscar Trementina, prima casadoira e pacata, que aceitaria resignada e até feliz — pois tinha certas tendências, diziam — a coleção de amásias do marido, acatando, inclusive, nos últimos anos, a criação de um “ninho” no galpão, onde o marido “abatia novilhas” duas vezes por semana, eis aí uma lembrança feliz, fez Estélio, num arremedo de sorriso, porque tinha a face tão paralisada que se viu impedido de completa-lo — e que tremenda mulher Trementina, um anjo, não pode haver no mundo outra igual, bem, seu único defeito foi ter parido Augusta, filha maldita e desdita, fazedora de escândalos por uma simples porção de batatas amanteigadas — pois, Augusta, sou homem de idade avançada, que te botei e tiro do mundo se quiser, ora onde já se viu não poder experimentar a comida antes que o maldito parasita que você escolheu pra marido entre por aquela porta e sente a bunda enorme na melhor cadeira — que já foi minha, mas até isso o desgraçado tomou de mim —, comendo mortadela, ou batatas, pra arrotar caviar; é uma vergonha, sim, é isso que a vida reserva a quem gastou toda uma existência fazendo o bem aos seus, é isso: desgosto, amargura e desgosto, verdadeira vergonha é o que sinto, vou-me embora e não interessa a hora que seja, vou-me embora — foi este o último pensamento que ocorreu a Estélio, curvado sobre o próprio umbigo, suspirando um suspiro frouxo para em seguida expirar, aos setenta e nove anos e duro como os seixos que serviriam de leito até que o encontrassem, dois dias adiante.

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