As últimas aulas do Curso de Roteiro de Humor na Academia Internacional de Cinema, no Rio de Janeiro, tiveram assuntos diversificados. Os professores falaram sobre técnicas e fundamentos de stand-up comedy, como a construção de um bom set de piadas, além de tipos de humor para a internet, com destaque para os youtubers e os curadores de conteúdo. No mesmo período, tivemos como tarefa a criação do nosso trabalho final, um roteiro para um esquete.
A metodologia de trabalho foi a seguinte: tínhamos que enviar uma escaleta aos professores, que fariam apontamentos para melhorarmos o texto, com base nas técnicas que aprendemos durante o curso. Para quem não sabe, a escaleta é como se fosse um resumo da cena, com a descrição das ações tomadas pelos personagens, podendo ou não incluir alguns diálogos. No Zorra, é como cada um dos redatores, após o mesão, recebe o texto a virar um roteiro aberto.
Já há algum tempo eu tinha decidido escrever o meu esquete mostrando um casal fazendo um suco verde pela manhã. Cheguei inclusive a produzir uma matéria aqui pro Laranjas com o mesmo tema, como um aquecimento. Enviei a escaleta e os professores fizeram sugestões, como a inclusão de mais um personagem e a supressão de algumas passagens, para dar mais ritmo ao texto. Concordei com as mudanças, mais uma vez naquela linha de que o trabalho coletivo fica superior.
Optei por simular o método de trabalho dos professores no Zorra: o prazo era longo, mas dei a mim mesmo apenas uma tarde para fazer o roteiro do esquete. A ideia era testar a pressão, guardadas as devidas proporções, para ver como eu lidava com ela. O resultado foi o seguinte:
CENA X – COZINHA – INT/DIA
HOMEM E MULHER CHEGAM NA COZINHA DE PIJAMA, ACABARAM DE ACORDAR. MULHER ABRE A GELADEIRA, PEGA UMA FRUTA ESTRANHA E A DEIXA AO LADO DO LIQUIDIFICADOR NA PIA.
RENATA
Amor, eu comprei uma fruta nova pra você fazer o suco verde, tá? Bate bem que vai ficar uma delícia, ok?
RENATA SAI DA COZINHA. ROBERTO OBSERVA A FRUTA.
ROBERTO (SOZINHO, INCOMODADO)
Que fruta é essa, agora? Custava usar uma fruta que todo mundo usa? Uma maçã ou um abacaxi?
ROBERTO CORTA A FRUTA AO MEIO, O RECHEIO TEM APENAS SEMENTES, QUASE SEM POLPA. TÚLIO, O FILHO, ENTRA NA COZINHA E COMEÇA A FAZER UM COPO DE ACHOCOLATADO.
TÚLIO
Suco verde de novo, pai?
ROBERTO
É, sua mãe gosta, diz que é saudável. Vem cá, filho, você sabe que fruta é essa?
TÚLIO
Sei não, pai. Peraí, vou tirar uma foto e mandar para o grupo da escola no Whats, vai que alguém conhece.
ROBERTO VAI COLOCANDO OS OUTROS INGREDIENTES NO LIQUIDIFICADOR, TEM DIFICULDADE PARA RASPAR A POLPA DA FRUTA ESTRANHA.
TÚLIO
Pai, o Cauã disse que conhece a fruta!
ROBERTO
Ah, é? E qual é o nome?
TÚLIO (RISONHO)
Ele não sabe também, só disse que a mãe dele também obriga o pai dele a colocar no suco de verde de manhã.
ROBERTO
Ah, mas que…
ROBERTO LIGA O LIQUIDIFICADOR E NÃO DÁ PARA OUVIR O PALAVRÃO.
TÚLIO (TOMANDO ACHOCOLATADO)
Pai, porque você não conta pra mamãe que não gosta do suco verde?
ROBERTO (RINDO NERVOSO)
Não é assim que funciona, filho… E a gente tem brigado um pouquinho, então a sua mãe gosta do suco, diz que emagrece, e o papai não quer se estraga prazer, né?
RENATA VOLTA PARA A COZINHA, CABELO MOLHADO E ROUPÃO, DÁ BEIJO EM TÚLIO.
RENATA
E aí, Beto, o suco ficou bom com o kiwano?
ROBERTO (FINGINDO ENTUSIASMO)
Kiwano! Sim, claro, kiwano! Então, querida, eu estou esperando pra gente experimentar juntos!
RENATA
Ai, meu tchutchuquinho, não precisava…
RENATA DÁ UM GOLINHO, ROBERTO VIRA O COPO TODO.
ROBERTO (FINGINDO, SEM SUCESSO, QUE GOSTOU)
Hummm… Ficou bom, hein? Talvez com mais um pouquinho de hortelã fique perfeito! Ou menos limão! Mas o que importa é a saúde, meu amor!
RENATA
Obrigada, amor! Já estou me sentindo mais saudável!
ROBERTO SAI DA COZINHA. RENATA DÁ UMA ESTICADA DE PESCOÇO, FAZ CARA DE NOJO E JOGA O SUCO FORA NA PIA.
RENATA
Não é possível! Eu vou ter que botar um quiabo pra ele desistir de fazer essa porcaria desse suco verde! Me dá aqui esse achocolatado, Túlio!
RENATA TOMA O ACHOCOLATADO DE TÚLIO E SAI BATENDO O PÉ.
A apresentação estava marcada para a última aula, mas na anterior o Ricardo VR já deu um feedback, dizendo que tinha gostado bastante e que não tinha nenhuma mudança a fazer. Fiquei bem feliz, pois minha experiência com roteiros se resumia aos textos produzidos durante as aulas. Tentei pensar a cena para ser trabalhada pelos atores, com um texto que pedisse boas interpretações. O formato e o público-alvo foram o Zorra, naturalmente.
A última aula foi muito legal, com todos os alunos apresentando seus textos. Tínhamos algumas pessoas com experiência de atuação na turma, o que deixou a brincadeira ainda mais divertida. O meu esquete foi o primeiro a ser lido – era pela ordem de envio – e analisado pelos professores e colegas. Recebi críticas e elogios, que geraram alguns debates. A necessidade dos personagens de TV aberta falarem o que estão fazendo, por exemplo, como na última frase do roteiro.
Feitas as ponderações, os professores disseram que é um esquete que iria facilmente ao ar no Zorra. Vários outros colegas também receberam esse feedback, o que mostra que fizemos um bom trabalho. Da minha parte, fiquei muito contente com o resultado, pois eles disseram que não iriam ser queridinhos, tratando a gente e nossos textos como se fossem profissionais. Até por seu um curso de tiro curto, de fato não ia ser produtivo ficar passando a mão na nossa cabeça.
Em seguida, fomos comemorar o fim do curso no Cobal de Botafogo, que fica bem próximo à AIC. Muitos chopps, petiscos gordurosos de qualidade e ótimo papo, ou seja, um ágape de primeira qualidade. A festinha foi bem ao estilo do curso: muitas risadas, troca de ideias, curiosidades sobre o mercado de humor e tudo mais. Aliás, para quem se interessar, Haroldo, Vinícius, Fernando e VR darão um novo curso de roteiro de humor na ESPM do Rio agora em janeiro e fevereiro. Os caras são muito bons no que fazem e muito generosos na transmissão de seus conhecimentos, com ótima didática – não ficam apenas contando piadas não.
Eu gostei muito de ter feito o curso com os caras – mais a professora Renata Mizrahi – e recomendo para quem se interessa pela área. Meus objetivos, que eram conhecer mais técnicas de humor para usar no Laranjas, aprender um pouco mais sobre escrever roteiros, conhecer gente legal e ter um contato com o mercado de criação de humor, foram cumpridos. A vivência no Rio de Janeiro também foi ótima, assistindo a peças de teatro e outros tipos de trabalhos humorísticos.
Os relatos das aulas anteriores estão todas ali abaixo, mas também podem ser lidos neste link. Foram dois meses muito gratificantes, cheios de insights sobre humor e a produção criativa. O mais legal veio da Renata, que na quarta aula lembrou que querer fazer alguém rir é uma ato de generosidade. Não sei se vou conseguir seguir carreira no humor, mas algo que me tranquiliza é saber que nesses nove anos de Laranjas já fiz algumas pessoas sorrirem. O resto é consequência.
Laranjas é um site de jornalismo de humor com notícias fictícias.
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