A Copa do Mundo de 1962 foi disputada no auge da Guerra Fria, poucos meses antes da Crise dos Mísseis. Mesmo distante do epicentro das ações de espionagem e das tensões nucleares, o Mundial do Chile teve um episódio que colaborou para a escalada de belicosidade entre as superpotências Estados Unidos e União Soviética. Mais especificamente um jogador, o meia Anatoly Romanoff, o “Gavião”.
Cérebro do Spartak campeão soviético de 1961, o Gavião era a esperança do Kremlin de um triunfo mundial. Os vermelhos levaram a Eurocopa de 1960, mas grande parte do time não retornou da França, preferindo curtir a cena boêmia da Rive Gauche. Todos os desertores morreram pouco tempo depois, envenenados ou deprimidos por conversas com Jean-Paul Sartre. Restou ao politburo montar um novo esquadrão.
Aos 23 anos, o comportamento errático de Romanoff – ele costumava sumir de Moscou – era um problema, mas o talento compensava. Homem de poucas palavras, o camisa 10 era mortal no arremate a gol. Suas atuações levaram a URSS às quartas, contra os donos da casa. O Gavião não participava das reuniões do time, mas, naquela tarde em Vinã del Mar, o técnico Dmitri Andruschev decidiu que ele honraria o ritual pré-jogo: beber meia garrafa de vodka.
O meia, porém, recusou-se. Andruschev era capitão do Exército Vermelho – os jogadores eram sargentos – e disse que era uma ordem. Romanoff tomou um gole, mas cuspiu todo o conteúdo do copo. “Traidor!”, berrou o vestiário. Era o fim. Desmascarado, o Gavião revelou sua identidade: Tom Mayer, espião e único americano treinado para jogar bola naquela época. A sentença de fuzilamento foi dada ali mesmo.
O paredão foi montado na área dos chuveiros. Andruschev mandou cinco comandados tirarem as pistolas que levavam nas caneleiras e matarem o (ex-)companheiro de time. O problema é que eles tinham cumprido, com louvor, o ritual pré-jogo, e erraram todos os tiros. Romanoff aproveitou e fugiu do estádio Sausalito. Abalados, os soviéticos foram eliminados pelos chilenos.
O Gavião continuou morando incógnito no Chile até meados dos anos 70, quando voltou à ação no país pela CIA. Seu campo agora era outro, e seu codinome também: o Condor.