Em 1989, enquanto o Muro de Berlim rachava ao meio, eu tentava vir ao mundo em uma Ilha paradisíaca. Não nasci nem à esquerda, nem à direita. Quando aprendi a escrever, desejava ser alguém na vida como qualquer outra pessoa. No entanto, aos 13 anos ganhei uma guitarra e, cinco anos mais tarde, escolhi jornalismo. Ainda quero fazer uma banda com Bruno Volpato, mas não comprarei o pedal de guitarra que ele está vendendo.
O consultório médico do Dr. Minguado abre cedo da manhã. Paredes brancas, límpidas, com cactos ao lado do balcão da secretária. “Bom dia senhor, no que posso ajudá-lo?” – sorri, bondosa, a loira que atende pelo Dr. Minguado. Apesar de agradável, comparecer ao local é um indício de deturpação grave. Todos pacientes tem problemas, no mínimo, neurológicos.
Certa vez o jovem Carlos Tinhão resolveu fazer uma consulta. Chegou cedo, praticamente abriu a clínica. O sintoma era uma forte dor na parte superior da testa. “Sente-se, o doutor já irá lhe atender”. Tinhão recolhe-se no sofá de espera e lembra do frio na barriga de quando conhecera sua primeira paixão de infância. Percebeu que, ao contrário da sensação de anos atrás, nada entusiástico ocorreria nos próximos minutos.
Do outro lado do consultório, Dr. Minguado assina uma receita médica, cospe na ponta dos dedos para rasgar a indicação e entrega ao paciente a prescrição de dez remédios tarja preta. Depois, resolve sair do consultório, assobiando como sortudo em bingo beneficente. “Minguado, tem um rapaz aqui à sua espera…” – revela, tímida, a secretária – “Como assim Beloura?! Chame-o para minha sala.”
Tinhão escuta a conversa e, acanhado, levanta em direção à saleta do neurologista. “Sinta-se em casa”. O jovem olha o doutor com esperança:
– É mais que uma dor de cabeça.
– E menos que um derrame. O que te traz aqui?
– Doutor, creio que tenho alguns problemas.
– Não trato DSTs.
– Estes já resolvi. A questão é outra: eu quero mesmo é aprender a contar uma história! Uma história com começo, meio e fim.
– Como assim?
– Não consigo completar uma frase. Quando conto uma história, as pessoas não olham para mim!
– Talvez não precisasse estudar mais? Conversar com o espelho?
– Eu tento! Já aprendi cinco línguas e falo bom dia para o meu reflexo em cada uma delas. Hoje comecei por japonês. Mesmo assim, o bloqueio persiste.
– Já sei o seu problema. Pegue estas três pílulas. Mas atenção: você só poderá tomá-las quando sentir que tem uma boa história para contar. Se for piada sobre português, argentino e loira, esqueça!
Tinhão, boquiaberto, guarda o remédio. Sai da sala e vai em direção à rua. No hall da clínica do Dr. Minguado, quase saindo do lugar, o jovem começa a refletir se o seu cotidiano gera boas histórias. “Bem, eu faço estágio em um escritório administrativo de recursos humanos e corro de manhã para manter a saúde”.
Tinhão pensa bem, coça a cabeça, bota o dedo no nariz e, ao olhar a bela Beloura atrás do balcão, com lábios extremamente carnudos, resolve agir:
– Ahhhhhhhhhhhhh! Tire este tarado daqui! Maluco, tarado!
– Beloura, serás a protagonista de uma história de amor! O Dr. Minguado que receitou!
Todos da clínica começaram a correr do pelado Tinhão. O jovem tirara a roupa para agarrar a bela Beloura. Mas quando Tinhão começara a puxar o saiote da galega, no ápice do seu conto erótico, o doutor, em um golpe súbito, segurou-o pelo colarinho e disse: “Venha até minha sala”. E Tinhão, prontamente, tomou a pílula enquanto escutava o doutor:
– O que foi isto em minha clínica?
– Uma história… Mudasse minha vida! Pense bem, sempre quisesse fazer isso doutor! Imagine contar para os amigos: “Sabe a Beloura do meu consultório, então, foi! Ainda entre uma consulta e outra!”
Tinhão hesita, solta um sorriso sarcástico e completa:
– Não venha botar a mão que essa história já é minha!
– Você tomou a pílula?
– Sim doutor. Aquela azul. Tens mais algumas no estoque?
– Não. Mas conte-me a história…
– Ok. Ahm… rãm… Tudo começa com uma loira no consultório do Dr. Minguado que usa um saiote de sacanear os pacien…
O neurologista interrompe Tinhão. Liga para um número em seu celular. “Alô, traga uma viatura para a clínica Mentessãn, na Rua Cascalho Ripa, número 54! Tem um maníaco sexual com patologia tipo 5 aqui em minha frente. Antecipo que, se vocês não chegarem a tempo, o maluco comerá o argentino Velázquez que espera na minha sala e o porteiro que é português! E o pior: só para contar aos amigos depois!
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