Nathan Schafer

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Nathan Schafer

Estudante de jornalismo que preenche o orçamento da família com bicos na construção civil. Aprendeu [sic] a desenhar com o avô, Mordechai Schafer, um comerciante judeu. Mordechai é especialista em piadas que ninguém entende, arte praticada pelo neto com afinco.

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Segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O Cockney Nu

O alto e magro Theodore Brown, cabo do Metropolitan Police Service na Grande Londres, precisou olhar três vezes para acreditar no que via, logo na primeira hora de ronda naquele bairro fantasma. Talvez não tenha mesmo acreditado, visto a força com que, usando seus punhos sardentos, esfregou os pequenos olhos azuis. Decidido, escorregou para fora da marquise que o abrigava da garoa insistente, na intenção de parar o cidadão que vinha em direção contrária, sem guarda-chuva, muito provavelmente sem documentos, cantarolando a folclórica Digger’s Song numa voz até que afinada. Três horas de uma tarde chuvosa, santo deus! O que este homem pensa estar fazendo?, perguntou-se ao pular na calçada, a mão direita espalmada nas fuças daquele pedestre exótico.

“Alto lá! Aonde pensa que está indo, senhor?”, berrou Theodore Brown, vermelho como sempre.

“Para casa, ué”, respondeu o outro, tranquilamente. Se tivesse bolsos, com certeza estaria com as mãos neles.

Aquele sotaque! Ao falar casa, o homem não usara o H: ‘Ouse. Cockney, como era de se esperar! Theodore Brown respirou fundo, afinal, estava por um fio. A absolvição pelo espancamento do comerciante senegalês estava umas poucas semanas atrás. Conseguiu, então, contrariar seu temperamento e sabe-se lá como, encontrar paciência para perguntar:

“Isso é traje para sair de casa, senhor?”

O homem sorriu, e disse, marotamente:

“Não se pode dizer que meu gosto para roupas seja ruim, não é?”

Theodore Brown resolveu entrar na brincadeira e disse, também sorrindo, enquanto dava um joelhaço nas coxas do homem:

“Pelo contrário, senhor! Acho que se veste muito mal!”

O homem, que estava nu, contraiu-se de dor. Com a contração, suas nádegas, muito magras, ficaram parecendo duas laranjas: cheias de pequenos buraquinhos. Theodore Brown achou graça nas celulites do homem. Encostou-o na parede sem dificuldade e perguntou seu nome. O homem respondeu:

“Stephen Gough”

“Como o pintor, não?”, perguntou Theodore Brown, que mantinha o homem chamado Stephen Gough de costas para a parede.

“O pintor é Gogh”

“Ok, sabichão”, e Theodore Brown afastou-se de Stephen Gough, surpreendido pelos braços cruzados na altura do peito e não na pélvis, como se esperaria de alguém nu.

“Mas foi ele que cortou as orelhas, não foi? Por uma puta!”

“Foi uma orelha só: a esquerda. Pode ter sido por uma puta, mas pode ter sido por Gauguin, ou por Theodore, o irmão dele… Aliás, como você conhece Van Gogh?”

Theodore Brown agora andava em círculos, próximo de Stephen Gough. Não respondeu a pergunta, intrigado com o outro; numa posição claramente inferior, e corajoso o suficiente para confrontar intelectualmente um policial. Stephen Gough deve ser louco, pensou! Não há outra explicação!

“Escola de Artes, em Sheffield…”, sussurrou Theodore Brown.

“O quê?”

“Você perguntou como eu conheci Van Gogh, e eu disse que fui para a Escola de Artes, em Sheffield.”

“Hum”, fez Stephen Gough, “E o que você estudava?”

“Design Gráfico, mas o que eu queria mesmo era pintar uns afrescos, umas coisas bem renascentistas e…”, Theodore Brown percebeu quão surreal era a situação. “Alto lá! Você está pelado, isso é proibido, e é por isso que estamos conversando! Tenho que te algemar e chamar uma viatura!”

“Pode chamar, não vai ser a primeira vez…”

“E por que diabos continua a fazer isso, se já foi preso?”

“Bem, eu trabalhava na Benetton, sabe?” Theodore Brown fez sinal para que Stephen Gough prosseguisse, enquanto o algemava. “Estava noivo também, quando fui demitido. Perdi o emprego, a noiva…”

“E isso justifica andar pelado?”

“Bem, não sei. Mas acho que é uma boa forma de não ser o que fui: andar nu, já que vender roupas foi o que mais me aborreceu durante anos.”

“Hum… Acho que você não é certo da cabeça, cara. Mas, mudando de assunto, sua casa é próxima daqui?”

“É, não é longe… Umas três quadras subindo aquela ladeira.”

“E você tem cervejas em casa?”

Stephen Gough respondeu que sim.

Os dois passaram o restante da tarde tomando Carlings e conversando sobre o meio-de-campo do Chelsea, que melhorou muito com a chegada de Oscar, aliás. Quando o relógio marcou seis horas, Theodore Brown ligou para a MPS. Em poucos minutos uma viatura apareceu e o deixou em casa — não sem antes largar Stephen Gough na prisão.

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