César Soto

Equipe Laranja

César Soto

Enquanto assistia Whale Wars num desses canais de bichos ou História ou coisa que o valha, César Soto decidiu que era hora de levantar as mangas e tomar parte no conflito entre ambientalistas e baleeiros. Assim, arrumou as malas, juntou suas escassas economias e passou a integrar a tripulação da pequena embarcação Sea Shepherd. Em duas semanas, honrou suas raízes e sabotou o motor do barco e envenenou a comida, se juntando assim aos japoneses. Malditos homens brancos e suas interferências em tradições milenares

E-mail de César Soto

Terça-feira, 14 de agosto de 2012

A não morte de Joaquim Domingo – Parte 2

Leia a primeira parte aqui.

Durante dias, ele apenas andou. A neblina inicial se dissipara, e sua branquidão fora substituída por um longo e escuro corredor. No início, era apenas isso. Um longo e escuro corredor, silencioso e sem portas. E ele vagava por ali em desespero. As trevas eram tão espessas que davam aquela sensação de algo físico, como se o tempo todo estivesse envolto por um fino pano negro que o impedia de falar e respirar, frouxo o suficiente apenas para o próximo passo. E então o próximo. E o seguinte.

Nada que ele vivera até então poderia tê-lo preparado para isso, mas o tempo veio por fazê-lo se acostumar. Percorreu toda aquela imensidão calada e, a cada vez que passava pelo mesmo lugar, podia jurar que estava um pouco diferente, mesmo através da escuridão. Talvez fosse o piso, talvez algum detalhe nas paredes. Definitivamente, tudo estava em constante reforma.

E então elas vieram. A princípio, estava tão acostumado à sua situação que nem notou. Passou alguns dias com a sensação de que algo o incomodava, mas não sabia dizer exatamente o que. Era algo profundo demais, fugaz demais para compreender. Começando suavemente, ele as ouvia como um som ao fundo, a uma distância que parecia não obedecer às leis da natureza. Nada mais que sussurros viajando pelo ar em alguma outra dimensão longínqua e inalcansável, até chegar diretamente ao seu cérebro, carregadas por ondas que ele não podia ver, sem ter de passar pelo primitivo sistema auditivo. Com o tempo, percebeu que o guiavam pelo corredor, impulsionando-o a algum objetivo final.

E lá estavam, duas portas, em um ponto que ele já passara diversas vezes nas últimas semanas, dias, meses, horas, e que nunca teve nada do tipo antes. Não. Aquele papel de parede branco e sem vida dava agora lugar a duas portas. Dentro delas, ele sabia, havia vida. De dentro delas, tinha certeza, vinham as vozes recém-chegadas e que o haviam levado até ali. Duas delas, cada qual abrigando um timbre diferente. Vozes díspares, familiares, reconfortantes. Ele conhecia muito bem as duas. Sem hesitar, entrou pela porta da esquerda.

Ele estava na universidade, sentado em um corredor parecido, mas com muito mais movimento. Via antigos colegas, pessoas que não encontrava há anos. As memórias inundaram sua mente e ele não pôde senão abrir um sorriso, feliz por estar naquele momento mesmo sem entender exatamente o por quê. Até que a viu pela primeira vez, sozinha, em um canto, atraindo não apenas os seus olhares, evitando qualquer contato visual, tímida como sempre, desconhecendo a força de sua beleza As roupas denunciavam sua pouca idade e a insegurança de alguém que sabia não pertencer àquele lugar. Era ela, outra das mulheres mais importantes de sua vida, assim como Dona Luzia. Do outro lado do corredor, tentando disfarçar o interesse, estava ele, 25 anos mais jovem, terminando a faculdade e, sem saber, perdidamente apaixonado.

Por alguns meses, mantiveram contato distante, indireto, casual. Daniella, esse era seu nome, rejeitava seus avanços com a graça de quem já enfrentara aquele tipo de situação antes. Joaquim chegou a se envolver em casos alheios no período, mas nada significante. Por um tempo, tentou deixá-la de lado, evitando o que acreditava ser mais do que suas humildes habilidades lhe permitiriam. Mesmo assim, a amizade se desenvolveu, e aquele sentimento original não cessava até que não houve outra alternativa senão abrir o jogo, numa final e desesperadora cartada. Ela não esquecera seu ex, seu primeiro, e não acreditava que pudesse dar certo. Como poderia? De qualquer forma, mesmo que seus instintos lhe dissessem o contrário, pela primeira vez em sua vida ele insistiu. O não já havia sido dado, como ficar pior do que aquilo?

O primeiro beijo veio, como a própria Daniella ressaltaria depois, como filme, debaixo de chuva e em meio a lágrimas que, ele juraria, eram somente dela. E foi apenas aquilo por um tempo. Um beijo que era muito mais, a promessa de que suas esperanças não eram em vão, de que tinha chances. O ex, o canalha que a havia feito tão mal, no entanto, sempre estava entre os dois, e ela deixava claro que não o esquecera. Joaquim nunca aceitara qualquer coisa do tipo, mas o que havia de fazer? Apenas lutar para tomar aquele lugar que julgava lhe ser de direito.

Seus efsorços, no entanto, foram em vão. Alguns meses após o beijo na chuva, ela anunciava que não podia mais manter as coisas daquele jeito, que o respeitava demais para tratá-lo daquela forma. Depois de tanto tempo batalhando, ele se resignou e desistiu finalmente, voltando à sua antiga vida de cigarros e bebedeiras. Sim, Joaquim tinha largado os cigarros por Daniella, esse era o tamanho de seu gostar, de sua vontade de fazer dar certo. Ele havia falhado.

Sem conseguir mais encarar as lembranças trazidas por aqueles profundos olhos verdes, Joaquim se levantou de súbito, desviou de um antigo e querido professor que vinha lhe dirigir a palavra e saiu pela mesma porta que entrara. Estava novamente no corredor que habitara por tanto tempo, aquele que agora continha dois portais, localizados um ao lado do outro. Sem conseguir raciocinar perfeitamente, quando percebeu, já entrava pelo da direita.

Comentários

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Laranjas é um site de jornalismo de humor com notícias fictícias.
Todos os direitos reservados
Desenvolvido por Monodois